segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

Doenças mais comuns da tartaruga tigre d’água



A seguir serão apresentadas algumas das doenças mais comumente observadas em quelônios tanto os de cativeiro doméstico como os de zoológicos. 

Vale salientar que o diagnóstico e o tratamento devem ser feitos por profissionais veterinários especializados em animais exóticos. Assim, ao perceber as alterações, sintomas, mudanças de comportamento leve seu animal mais rápido a este profissional, não havendo disponibilidade deste leve ao veterinário para proceder uma avaliação.

Este conteúdo visa somente pontuar tais doenças a título de informação, assim como, os tratamentos propostos.

Os quelônios que se encontram contemplados com este conteúdo são das espécies Trachemys sp. (tigre-d’-água), Hydromedusa sp. (cágado-pescoço-de-cobra), Phrynops sp. (cágado-de-barbicha), Podocnemis sp. (tartaruga-da-amazônia e tracajá) e os jabutis da espécie Geochelone sp.


FATORES PREDISPONENTES A DOENÇAS INFECCIOSAS

 Quanto mais jovem o quelônio mais susceptíveis a doenças e maior o índice de mortalidade.



• Temperatura ambiente - Frequentemente entre 26º a 30º, não devendo ser constante em todo o ambiente, apresentando uma variação espacial e temporal que permita opção por parte do animal.

• Fotoperíodo – É o tempo de exposição à luz. Quando se encontra inadequado acarreta alterações metabólicas.

• Estresse - Adequar o ambiente às necessidades da espécie provendo assim conforto biológico. Condições inadequadas de manutenção em cativeiro acarretam depressão do sistema imunológico.

•Recinto inadequado - Água, substrato, calor e umidade favorecem a proliferação de microorganismos.

• Traumatismos - Muitas vezes ocorrem por tentativas de fuga e contenções físicas inadequadas; lacerações e hematomas também podem estar presentes.

Ressalta-se que a grande maioria das enfermidades e de óbitos em répteis de cativeiro são decorrentes de um manejo incorreto, englobando os aspectos de luminosidade, temperatura, alimentação e umidade.


PRINCIPAIS ENFERMIDADES ENCONTRADAS

a) Dermatites


As Infecções superficiais, tanto de bactérias como de fungos (figura 1), em carapaça e plastrão são frequentes e normalmente estão associadas ao manejo e condições ambientais incorretos. Podendo ocorrer descoloração e desprendimento das placas córneas do casco.

Procede-se como forma de tratamento o debridamento (remoção de tecido da ferida) dos tecidos necrosados e a retirada das placas córneas soltas, aplicação de anti-sépticos como iodopovidona (PVPI tópico), nitrofurazona e creme com antibiótico e antifúngico. 

 Administração de antibiótico sistêmico e tratamento de suporte devem ser instituídos nos casos graves. Aliado a tudo isso deverão ser corrigidas as eventuais falhas de manejo como piso abrasivo, umidade excessiva, temperatura desconfortável, má nutrição e estresse.
 

 
FIGURA 1: Quelônio com presença de fungos por toda carapaça.
b) Pneumonia

Pode ser dividida em primária e secundária a outras doenças concomitantes ou mesmo à imunodeficiência do animal. 

Nas pneumonias as bactérias gram-negativas são os agentes mais comuns por conta de serem habitantes normais do trato respiratório desses animais, seguido dos vírus, fungos e parasitas. 

Em muitos casos os sinais clínicos apenas são percebidos quando a doença se encontra em um nível avançado sendo o prognóstico desfavorável. Entre os sinais incluem-se apatia (desanimado), letargia (estado de inconsciência), mucosas cianóticas (azuladas), dispneia (esforço ao respirar), respiração com a boca aberta, cabeça e pescoço distendidos,  chiado ao respirar, secreção nasal e perda de equilíbrio na água em cágados.

Como forma diagnóstica o uso da radiografia é bastante válido e lavados traqueobronquiais poderão ser efetuados com o intuito de identificação do agente infeccioso. 

O tratamento consiste na administração prolongada de antibióticos, principalmente, contra agentes gram-negativos, associado a um tratamento de suporte, como temperatura ambiental adequada, fluidoterapia e alimentação por sonda gástrica, caso necessário.
   
Deve proporcionar o aquecimento do animal (28 a 30ºC), garantir um nível de água em que o animal consiga apoiar as patas no fundo e ficar com a cabeça fora da água.


c) Salmonelose

Tem-se sugerido que grande parte dos répteis, senão todos são portadores assintomáticos de Salmonella sp., mas isso apenas tende a ocorrer para animais em cativeiro porque os de vida livre até então examinados não apresentaram tal bactéria em sua flora normal. Ela pode ser encontrada nas fezes, na urina, nos ovos, na carne dos animais portadores podendo causar graves doenças.

Quando um animal encontra-se sob estresse ou doente, a resistência do animal diminui e a bactéria torna-se patogênica para o quelônio. 

Sugerindo-se que o isolamento deste agente está relacionado com as condições de manejo impostas aos animais. Devido ao seu potencial zoonótico, ou seja, de transmissão aos seres humanos preconiza-se a adoção de medidas de higiene como forma de profilaxia (medidas preventivas para preservar a saúde).

Muito cuidado deve ser dispensado às crianças ao manipularem os animais para que elas possam lavar bem as mãos e objetos que entrarem em contato com o quelônio.

d) Distocia – dificuldade na postura de ovos

Está dividida em obstrutiva e não obstrutiva. A primeira resulta de alguma alteração anatômica que impeça a saída dos ovos do sistema reprodutor e também da cloaca. Já a não obstrutiva ocorre por manejo inadequado para com os animais. Por exemplo, a ausência de local próprio para postura, temperatura ambiental inadequada, desnutrição, desidratação e sedentarismo da fêmea que pode vir a prejudicar o tônus muscular do oviduto. 

Como sinais clínicos da distocia a fêmea poderá apresentar anorexia (diminuição ou perda da apetite), letargia, apatia, inquietação, comportamento de cavar o ninho, edema (inchaço) e paralisia de membros pélvicos. 

Para o diagnóstico é imprescindível a efetuação de exame radiográfico aonde serão contabilizados o número de ovos e o seu aspecto, ou seja, presença de casca delgada ou grossa (FIGURAS 1 e 2). 

O tratamento para os casos não obstrutivos é o aquecimento do animal e a aplicação de gluconato de cálcio com dextrose 5% inicialmente por via intramuscular, caso não haja resultado aplica-se ocitocina, mas com extrema cautela. Já para os casos obstrutivos o procedimento é cirúrgico com efetuação de cesariana ou ovariohisterectomia (retirada cirúrgica dos ovários e útero), se necessário.
FIGURA 2: Radiografia dorso-ventral em exemplar da Ordem Chelonia evidenciando a presença de quatro ovos no sistema reprodutor.
Fonte:www.rarerehab.org

FIGURA 3: Radiografia látero-lateral em exemplar da Ordem Chelonia evidenciando a presença ovos no sistema reprodutor.


e) Prolapso de pênis ou Parafimose

O prolapso acontece quando há queda ou deslocamento de um órgão que sai de sua posição natural. O prolapso de pênis acontece com frequência em quelônios. Ao machos em idade reprodutiva  iniciam suas tentativas de acasalar com fêmeas ou até objetos como pedras, troncos, também acontece quando banhados em água morna, ao receber caricia no plastrão, virado de costas, é comum que ocorra a exposição do órgão com retorno completo para dentro da cloaca em até 10 minutos, caso exceda esse tempo o pênis pode entrar em contato com solo, pedras, cimento, pode sofrer traumas que causará inchaço comprometendo seu recolhimento. Se mantiver esse edema por tempo prolongado pode causar diminuição do sangue no órgão levando a necrose (morte do tecido).

Ainda,traumas penianos, separação forçada durante a cópula, infecção peniana, deficiência muscular ou neurológica do músculo retrator do pênis ou em esfíncter cloacal, impactação da cloaca por uratos e tenesmo (espasmo do esfíncter) são as causas mais comuns para a ocorrência desta enfermidade. 

 Para prolapsos recentes recomenda-se um tratamento conservador que consiste na limpeza, aplicação de compressas frias para reduzir o edema, lubrificação e reposição do pênis para dentro da cloaca novamente, com posterior sutura em bolsa de tabaco para evitar reincidências, a qual deverá permanecer até que o pênis tenha retornado ao seu tamanho normal. Mas quando já existem sinais de necrose no órgão prolapsado o tratamento deve se consistir em cirurgia de amputação (penectomia) Figura 4.


1) Paciente na primeira consulta com pênis necrosado; 2) Anestesia epidural; 3) Pênis já removido; 4) Paciente acordando da anestesia.
 

Figura 4: Penectomia em Tigre d'agua
f) Prolapso de cólon

Tal enfermidade pode ser resultante de uma constipação, tenesmo, diarreia, cálculo cístico, enterite bacteriana ou parasitária. 

Em casos ocorridos recentemente existindo ainda a vitalidade do órgão poderá ser efetuado uma lubrificação, massagem com aplicação de solução hipersaturada de açúcar nos casos de edema, e a reversão do segmento com aplicação da sutura em bolsa de tabaco. Mas em casos em que já existe necrose do cólon a cirurgia de ressecção é o único procedimento preconizado.

g) Prolapso de oviduto

Geralmente ocasionado por distocia (postura difícil) e tenesmo. Como forma de tratamento segue-se o mesmo protocolo descrito para o prolapso de cólon.


h) Prolapso de bexiga urinária

Decorre da presença de cistite ou cálculo cístico. Como forma de tratamento segue-se o mesmo protocolo descrito para o prolapso de cólon.

i) Hipovitaminose A



É ocasionada por alimentações inadequadas em cativeiro levando a uma metaplasia escamosa (degeneração dos epitélios) e hiperqueratose dos epitélios, principalmente respiratório e ocular. 

Os sinais são os mais diversos e dentre eles cita-se a presença de anorexia, conjuntivite, blefaroedema (inchaço das pálpebras) (FIGURA 5), blefarite (inflamação das pálpebras), doenças do trato respiratório, abscessos aurais (ouvido) (FIGURA 6) e ressecamento dos olhos pela falta de produção de muco. 

O diagnóstico deve se basear na anamnese, para se ter conhecimento da dieta oferecida ao animal, bem como nos sinais clínicos e na resposta ao tratamento instituído. Esse tratamento deve se basear na aplicação intramuscular semanal de vitamina A injetável, durante duas a três semanas. E estando aliada a uma melhora na dieta animal, oferecendo itens ricos em vitamina A como folhas verdes escuras, cenoura, mamão, ou outras frutas vermelhas ou laranjas, por apresentarem beta-caroteno, que é o precursor dessa vitamina. 

Ressalta-se também a importância de que altas doses de vitamina A são tóxicas a esses animais, ocasionando uma hipervitaminose iatrogênica (erro médico), e tendo como sinais o desprendimento de escamas nos membros e pescoço, eritema (pele avermelhada) e vesículas.

FIGURA 5: Indivíduo da espécie Trachemys scripta elegans (tigre-d’-água-exótico) apresentando edema de pálpebra bilateral (blefaroedema) em decorrência da Hipovitaminose A.

FIGURA 6: Presença de abscesso aural em indívíduo da espécie Trachemys scripta elegans (tigre-d’-água-exótico) em decorrência da Hipovitaminose A.
Fonte: http://www.irishveterinaryjournal.com/Links/PDFs/


O tratamento do abcesso auricular requer que o animal fique em local seco até o término da cicatrização, devem ser umedecidos 3 x ao dia. O uso de antibiótico deve ser efetuado pelo veterinário.

j) Doença ósseo-metabólica

Geralmente decorre do consumo insuficiente de cálcio, desequilíbrio nos níveis de cálcio e fósforo que deve ser de 2:1, deficiência de vitamina D e falta de exposição à radiação UVB, podendo ser fatores isolados ou em conjunto. 

Devido à presença de cálcio nos ossos e no casco este mineral é lentamente retirado para ir ao sangue com o intuito de suprir as necessidades fisiológicas, assim sendo tal enfermidade pode levar meses a anos para manifestar os sinais clínicos justamente por essa reserva orgânica. 

Como sinais têm-se deformações na carapaça (FIGURA 7), crescimento excessivo das unhas e dos escudos epidermais em formato piramidal, amolecimento do casco, peso e tamanho inferior ao normal para a idade, descalcificação óssea e fraturas patológicas. 

Como diagnóstico o exame radiográfico poderá indicar uma diminuição da opacidade óssea. O tratamento consiste na correção da dieta, fornecimento de cálcio, vitamina D e exposição à radiação UVB. Este fornecimento de cálcio poderá ser feito sob a forma de injeção intramuscular em casos de animais sob condições.
 
FIGURA 7: Crescimento anormal de casco em exemplar da Ordem Chelonia em decorrência de excesso de fósforo e deficiência de cálcio em sua dieta.


k) Fraturas de casco

Frequentemente ocasionadas por atropelamento, mordidas de animais domésticos ou quedas de alturas significativas. Podendo atingir a carapaça (FIGURA 8), o plastrão e as pontes, ou até mesmo as três estruturas em conjunto. 

Devem ser consideradas e tratadas como feridas abertas, devido à contaminação bacteriana secundária, ao menos que a intervenção clínica tenha ocorrido até seis horas após o incidente traumático. 

Existem vários métodos para o reparo desse casco, podendo-se utilizar placas ortopédicas, cerclagens (sutura com fio de aço inoxidável), parafusos, resina epóxi (FIGURA 9), entre outros. Esta última quando aplicada gera uma reação que fornece calor, portanto deve-se atentar para promover o esfriamento da mesma no intuito de não se produzir outras complicações no animal. 

Como tratamento inicial deve-se proceder no debridamento  e lavagem com solução fisiológica 0,9% da área afetada para a retirada de eventuais células mortas, aplicação antimicrobiana tópica para então realizar a coaptação das partes fraturadas. A estabilização correta é fundamental para promover a formação de uma adequada consolidação óssea, a qual poderá levar até anos para sua total cicatrização dependendo da extensão da lesão.

FIGURA 8: Indivíduo da espécie Geochelone sp. apresentando traumatismo em carapaça com exposição de parte óssea.




FIGURA 9: Indivíduo da espécie Geochelone sp. após a efetuação dos procedimentos de reparo de carapaça com aplicação de resina epóxi.


l) Doença cutânea ulcerativa sistêmica

É ocasionada pela bactéria gram-negativa Citrobacter freundii. Acometendo principalmente os quelônios de água doce sendo altamente contagiosa. 

Os sinais característicos são as hemorragias e ulcerações cutâneas, anorexia, letargia, perda de unhas e dígitos. O tratamento consiste na aplicação de PVPI tópico nas lesões, administração de antibióticos sistêmicos como o cloranfenicol, melhoria na qualidade da água aonde se encontra o animal e um suporte nutricional. Caso os animais acometidos não sejam tratados a mortalidade poderá chegar a 100% dos casos.

m) Hipoproteinemia

Ocorre devido a uma alimentação inadequada, tendo como sinais a anemia, palidez, anorexia, apatia e depressão. O tratamento consiste na melhoria da condição alimentar chegando a casos em que se faz necessário efetuar alimentações via sonda esofágica.
Como medida preventiva o conhecimento da biologia e da fisiologia da espécie em questão permitem programar melhor uma dieta correta para a idade do quelônio.

N) Choque hipoglicêmico

Acomete principalmente animais submetidos à superpopulação no recinto, elevando o nível de estresse, ou devido a uma frequência muita intensa de capturas e manipulação e também pela utilização de fármacos anestésicos, principalmente no inverno quando os níveis de glicose se encontram baixos. 

Os sinais são midríase pupilar (dilatação da pupila), tremores musculares, incoordenação motora, hipocalcemia e redução do metabolismo levando a um colapso da circulação periférica. 

Como tratamento deve-se repor fluido aquecido acrescido de glicose para o animal acometido.





Material extraído do documento: MEDICINA E MANEJO DE RÉPTEIS Elaborado por: Profª Luana Célia Stunitz da Silva – Médica Veterinária. Site: www.conhecer.org.br
 



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